O chá de cadeira que Brizola me deu
Se o líder político brasileiro Leonel Brizola estivesse vivo, completaria 100 anos neste 22 de janeiro. Em razão do seu centenário, reproduzo abaixo um dos textos do meu livro “Histórias de Repórter”, lançado em 2017. Na crônica, eu descrevo o fato que ocorreu em 1994, quando saí de Brasília onde morava e fui entrevistar Brizola no Rio de Janeiro. A entrevista aconteceu após um chá de cadeira de mais de 10h, porém rendeu uma boa manchete e a primeira página no Diário de Pernambuco. Confira!
“Em 1994, quando Brizola disputou pela segunda vez a Presidência da República, tentei, durante três meses, uma entrevista exclusiva com ele. Meu contato era o então deputado Brandão Monteiro, de quem me aproximei em Brasília. Brizola era o tipo de personagem política que fascinava qualquer arguto repórter.
Com sotaque gaúcho forte e expressões dos pampas que cultivou ao longo da sua vida, Brizola tinha uma marca registrada de retórica inflamada. Não perdia oportunidade para criar caricaturas verbais de seus oponentes. Chamou Lula de “Sapo Barbudo", Paulo Maluf de “Filhote da Ditadura” e Moreira Franco de “Gato Angorá”.
Era um orador carismático, de frases implacáveis, capaz de provocar reações fortes nos adversários. Tinha fama de brigão e brigou até com a Rede Globo. Minha intenção era fazer provocações sobre a sua relação conflituosa com Miguel Arraes, aliado histórico na resistência ao golpe militar de 1964,
Símbolos da luta contra a repressão, Brizola e Arraes foram cassados. Arraes, como governador, Brizola, deputado federal pelo Rio. Brizola se exilou no Uruguai e nos primeiros anos defendeu a luta armada. Arraes exilou-se na Argélia. Com a anistia no final dos anos 70, ambos voltaram gloriosos.
O que se dizia é que Arraes e Brizola, embora com posições convergentes, nunca se entenderam porque tinham o mesmo projeto no exílio: voltar ao Brasil, governar de imediato os seus Estados para em seguida tentar a Presidência da República. Neste sentido, Brizola foi mais bem sucedido, porque se elegeu governador do Rio logo em 1982, enquanto Arraes teve que esperar quatro anos, atropelado pela candidatura de Marcos Freire, em 82.
As mágoas de Brizola ganharam um capítulo especial quando em 1989, na primeira eleição presidencial após a reabertura política, já com o mandato de governador no papo, Arraes apoiou à candidatura de Lula. Brizola fez de tudo para ter Arraes em seu palanque e alimentou a esperança até o último segundo da prorrogação, até porque era a forma de adentrar no Nordeste com força.
Em 1994, Brizola tenta a sua segunda cartada para presidente, após renunciar ao mandato de governador do Rio, e não consegue, mais uma vez, atrair Arraes ao seu palanque. Certo dia, Brandão Monteiro me ligou confirmando a entrevista. De Brasília, decolei no primeiro voo para o Rio. Brizola morava numa cobertura em Copacabana.
Tomei um chá de cadeira de 10 horas para arrebatar a entrevista. Cheguei em seu prédio às oito da manhã e só fui recebido no cair da tarde. Mas valeu! Como iria falar para o Diário de Pernambuco, jornal de maior circulação no Nordeste, líder inconteste no Estado, Brizola pediu desculpas pela demora alegando que fora um dia amargo, onde teria descascado vários abacaxis.
“Vem cá, garoto, agora sou todo seu. Pode perguntar o que quiseres”, provocou.
Foi uma longa, maravilhosa e polêmica entrevista. Brizola destilou todo o seu veneno contra Arraes, confirmou suas mágoas por não contar com o seu apoio na disputa presidencial e, bom frasista, disse que Arraes implantou em Pernambuco o coronelismo do asfalto, depois de fazer suas considerações pessoais sobre a figura do desafeto: personalista, de posições nacionalistas duvidosas”.