Capítulo 17
Pernambucanidade é um conceito de identidade, construído socialmente através do orgulho da terra, da sua gente, da história e identidade do seu povo. Mais do que isso, é a construção da cultura de um povo guerreiro, de batalhas ganhas e perdidas, que reafirmaram a identidade irredenta dos que nasceram na terra dos altos coqueiros, onde corre o sangue dos seus heróis, como diz o seu hino.
Leia maisMarco Maciel, com coerência, expressou essas ideias da pernambucanidade, uniformemente, desde os tempos de aluno dos jesuítas no Colégio Nóbrega, na Faculdade de Direito, nas associações estudantis de âmbito estadual e federal, na Assembleia Legislativa, na bancada federal, na Presidência da Câmara dos Deputados, nos Ministérios da Educação e da Casa Civil, no Senado Federal, no Governo do Estado e na Vice-Presidência da República.
Também nas organizações internacionais em representação do Brasil, nas campanhas políticas, em múltiplas tribunas, na cátedra de Direito Internacional Público, em tudo, enfim. Para ele, as belezas soberba e estendal de Pernambuco, que representou na vida pública com o espírito de uma Nova Roma de bravos guerreiros, eram motivo de inspiração, de orgulho, o orgulho estampado na face do Pernambuco imortal, imortal!
“Um homem deve ter uma cultura, a minha cultura é a da pernambucanidade”, costumava dizer Marco Maciel aos que recebia em sua ampla sala na Vice-Presidência da República, em Brasília, apontando para o mapa do Estado exposto na parede, ao lado de uma bela foto do Recife e dos seus rios Capibaribe e Beberibe. Está nos compêndios escolares: Quem nasce em Pernambuco, nasce no meio da história brasileira. A pernambucanidade tem espírito de província, sem provincianismo, sem melancolias”.
Parece resultar da assimilação cultural que só nos faz levar à coexistência. “Fiz de minha vida uma missão: pôr-me sempre a serviço de Pernambuco e do povo pernambucano”, disse Marco Maciel em várias entrevistas e discursos. Para ele, por mais universal que seja a vocação de cada um, como foi a de Joaquim Nabuco, é na terra em que nascemos que buscamos força, inspiração e alento.
“Devo a Pernambuco e ao povo pernambucano não apenas o que sou, mas tudo quanto, ao longo de minha existência, conquistei no exercício de sucessivos mandatos que sempre me foram concedidos. A esta generosidade não poderia responder senão com empenho e trabalho”, assinalou. Acadêmico, imortal da Academia Brasileira de Letras, o pernambucano Marcos Vilaça prestou uma grande homenagem a Marco Maciel na ABL.
Para ele, Marco Maciel tinha o sentimento do arrocho pernambucano, sem queda da expressão da brasilidade: “Tinha o sentimento e a percepção do sacrifício supremo de Frei Caneca, sempre presente na consciência dele como exemplo da dedicação pernambucana à causa da nacionalidade e das ideias liberais”, disse Vilaça.
Certa vez, perguntaram a Carlos Drummond: Por que você não volta a Itabira? Ele disse: “porque nunca saí de lá. Com isso, Drummond queria dizer que tinha dentro dele uma alma telúrica; que estava preso à sua terra, à sua gente. Marco Maciel também era assim. Pernambuco, para ele, era a própria imagem da pátria, sua primeira veneração como homem público.
“Marco era um pernambucano extraordinário. Sempre cobrava ações para o seu Estado. Insistiu muito na consolidação do porto de Suape”, testemunhou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu livro de memórias. “Era coerente, discreto, mas sem o pecado da omissão. Seu tempo era o Brasil, o coração Pernambuco, sem pressa e sem descanso”, acrescentou FHC.
“O modo de me portar é o dos pernambucanos: com honestidade, seriedade e trabalho. Meu modo de encarar a vida é, também, o do povo do meu Estado: com amor, alegria, esperança e respeito”, discursou Marco Maciel como senador, em agosto de 2010, ano que sofreu a única derrota nas urnas como político em ação desde 1959, a reeleição para o Senado, quando foram eleitos Armando Monteiro e Humberto Costa na chapa de Eduardo governador.
Em novembro do mesmo ano, Marco Maciel subiu à tribuna do Senado para se despedir. “Desejo iniciar minhas palavras expressando o meu agradecimento a Deus, que me permitiu, com resignação e humildade, aceitar os seus elevados desígnios. E ao povo pernambucano, igualmente agradeço o privilégio de, nos últimos 40 anos, tê-lo representado nos mais altos fóruns do País”.
“Decidiram os eleitores não renovar o mandato que pleiteei. Isso não significa que deixarei de lutar por seus direitos, propugnar por sua ampliação e combater violações. Pernambuco e os pernambucanos são a razão de minha total dedicação. Mais do que uma vocação, a vida pública que abracei há quase meio século é um compromisso com o nosso povo e suas instituições”, afirmou em seu último e histórico discurso de despedidas.
A intensa vida pública de Marco Maciel se construiu sobre as bases sólidas da terra de Joaquim Nabuco. Foi secretário de Estado, deputado estadual, deputado federal por dois mandatos, governador, senador por três mandatos e vice-presidente da República nas duas gestões de Fernando Henrique Cardoso. Como governador de Pernambuco, sob o lema “Desenvolvimento com Participação”, deixou um legado extenso de obras e ações na educação, na interiorização da saúde.
Na habitação, ao fim do mandato, entregou 100 mil casas populares. O legado de Marco Maciel, que governou Pernambuco de 1979 a 1982, se estendeu a outras conquistas duradouras para a população, como a urbanização de favelas, a ampliação do abastecimento de água, a implantação do Complexo Industrial e Portuário de Suape, o início da construção do Metrô do Recife e realizações que atravessaram gerações, tais como: mais de 2,3 mil km de rodovias pavimentadas; irrigação do Vale do São Francisco; perenização de 400 km de rios, no Projeto Asa Branca; ou a ampliação da pista de pouso e do terminal do Aeroporto dos Guararapes.
Seja na posição de parlamentar, no Congresso Nacional, seja no Palácio do Planalto, durante os oito anos em que foi vice-presidente da República, Marco Maciel possuía como cotidiano de trabalho a obstinada busca pela melhoria da qualidade de vida dos pernambucanos. Revezaram-se em manifestações carinhosas a Marco Maciel, os senadores Antônio Carlos Júnior (DEM-BA), Roberto Cavalcanti (PRB-PB), Papaléo Paes (PSDB-AP), Eduardo Suplicy (PT-SP), Neuto de Conto (PMDB-SC), Demóstenes Torres (DEM-GO), Marisa Serrano (PSDB-MS) e Álvaro Dias (PSDB-PR).
Marco Maciel foi aparteado pelo colega de Estado e geração política Jarbas Vasconcelos, um dos fundadores do MDB. Foi um dos momentos mais emocionantes da sessão. Jarbas defendeu Maciel das palavras agressivas do então presidente Lula, que, para eleger candidatos aliados ao Senado e preparar o terreno para Dilma Rousseff na Casa, disse mais de uma vez que Marco Maciel transcorreu décadas como protagonista político em Pernambuco, sem reverter essa experiência em benefício dos pernambucanos.
“Quem o agrediu foi nada mais nada menos que o presidente da República – que, na maioria das vezes, se torna uma figura pequena, tacanha. E foi assim que ele se comportou no centro do Recife Antigo quando o agrediu, dirigindo-lhe palavras grosseiras, chulas, impróprias, sem o mínimo de respeito a um parlamentar, ex-governador, ex-ministro, ex-vice-presidente da República, presidente da República – pois vossa excelência tantas vezes ocupou a Presidência”, protestou Jarbas.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) elogiou Marco Maciel, sublinhando a trajetória do colega. Mencionou o nome de vários políticos de estatura que também perderam eleições, como o primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill (1874-1965). “Eu mesmo perdi, e a derrota me ajudou muito – disse Simon, que criticou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ter se empenhado na derrota de Marco Maciel.
O tempo passou e se encarregou de mostrar a importância de Marco Maciel. Há pouco, a Assembleia Legislativa de Pernambuco aprovou – e o governador Paulo Câmara sancionou – a lei “Patrono do Legislador” com o nome de Marco Maciel, de autoria do deputado Clodoaldo Magalhães. “É importante valorizar a história e a memória de Pernambuco daquele que foi o símbolo da conciliação. Daquele que unia as divergências e trazia para o centro o equilíbrio. Neste momento que o Brasil vive de tanta tensão política, e de tantos extremismos, Marco Maciel deve ser celebrado e sua memória ser trazida para o aprendizado da política brasileira”, afirmou o parlamentar.
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