Coluna do sabadão
No meio da travessia
Na sua obra prima Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa escreveu: "O que tem de ser tem muita força, tem uma força enorme". Em 1990, a Frente Popular tinha uma centena de prefeitos apoiando a candidatura de Jarbas Vasconcelos a governador. Mas foi derrotado por Joaquim Francisco, candidato de oposição.
Em 1994, foi a vez de Gustavo Krause, também apoiado por mais de 100 prefeitos, perder para Arraes. Em 1998 Arraes começou sua campanha à reeleição apoiado por 156 prefeitos da Frente Popular e terminou com apenas 12 deles no seu palanque e uma derrota acachapante com mais de 1,5 milhão de votos para Jarbas. Esse ciclo de revezes se manteve em 2006, quando Mendonça Filho, governador e candidato à reeleição, com mais de 100 prefeitos no palanque, levou uma surra de votos de Eduardo Campos no segundo turno.
Esses exemplos transformam em pó a tese de que o peso da máquina governamental, quem está com o poder da caneta e de prefeitos a favor, decide uma eleição. Não tem sustentação nos fatos e na história. É uma lenda urbana. Na largada, se resume a sinais de força relativa. Começa com muitas poses para fotos, anúncios de compromissos e outras cenas de pré-campanha.
Somente.
No curso do calendário eleitoral, como dissera Magalhães Pinto, a política é como uma nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou". O candidato da máquina governamental, Danilo Cabral (PSB), entrou nessa onda, já caiu nessa armadilha eleitoral. Vem pregando aos quatro cantos que tem o apoio de 145 prefeitos, dos 184 no Estado. E que essa maioria lhe oferece as condições de vencer o próximo pleito.
Mas as pesquisas de opinião pública, todas divulgadas até o presente momento, inclusive as internas encomendadas pelo PSB, indicam uma tendência eleitoral em sentido contrário. Só Danilo ainda não percebeu que esse rumo dele de se apresentar como o candidato da máquina não está dando liga com o eleitorado. Pelo contrário. As mesmas pesquisas indicam fortes sentimentos de rejeição do eleitor a quem detém o poder, seja no plano nacional (Bolsonaro), no plano estadual (Paulo Câmara) e, em regra, salvo raríssimas exceções, nas gestões municipais.
Aqui e ali, nas coxias, o comando da Frente Popular já começou a contabilizar sinais de dispersão de suas forças entre todos os partidos, inclusive no próprio PSB. A agenda da campanha, segundo fontes das principais legendas, neste instante, enfrenta um esforço hercúleo na administração de crises.
O que sugere, convenhamos, acompanhar os desdobramentos, com reflexão, a partir de outro pensamento do genial escritor mineiro. "O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente no é meio da travessia".
Velho e novos – De um deputado da Frente Popular ao voltar de mais um giro pelo Interior e observar o termômetro eleitoral: "Não encontro eleitor de Danilo. Acho que erramos tremendamente na escolha do candidato. Danilo não é velho, mas tem ideias velhas, discurso velho em cima de um samba só: Eduardo Campos, já morto, e Lula, que está maculado pela corrupção". O mesmo socialista acha que no campo da oposição, em contraponto ao Coronel Danulo, os pré-candidatos, além de jovens, têm ideias novas.
Lula bombardeado – Nos bastidores do PT, há críticas à coordenação da campanha do ex-presidente Lula e preocupação com seus deslizes verbais. Lula tentou consertar afirmações em defesa do aborto e explicar a declaração na qual incentivou que sindicalistas batessem à porta das casas de deputados e de seus parentes para cobrar votações. Mas o desgaste já estava feito, tanto que o bombardeio nas redes sociais continua. Além disso, a equipe de Bolsonaro prepara um material com todas as polêmicas frases de Lula para divulgar no início da campanha oficial, em agosto.
Gleisi no caldeirão – Em 2019, antes da pandemia de covid-19, uma ala do PT tentou encurtar o mandato de Gleisi Hoffmann à frente do Diretório Nacional. O grupo não queria que ela conduzisse a campanha deste ano. Argumentava que a deputada levava o PT para uma linha radical e de isolamento e não tinha jogo de cintura político. Lula ainda estava preso quando essas pressões começaram e não aceitou tirá-la do cargo. Tudo o que Gleisi faz tem aval do ex-presidente. É ele quem, de fato, manda no PT.
Nós com nós mesmos – A sucessão de declarações enviesadas de Lula expôs ainda mais as divergências. Embora o ex-presidente tenha falado de improviso em todas as ocasiões, houve cobranças internas sobre a falta de estratégia política no momento em que pesquisas indicam recuperação da popularidade de Bolsonaro. Na prática, o petista precisa ampliar o leque de apoios para sua candidatura ao Planalto – que será lançada no dia 30, em São Paulo –, e não fazer o discurso do “nós com nós mesmos”.
Só o Senado – O PT continua insistindo em ocupar a vaga de senador na chapa de Danilo Cabral. Na próxima segunda-feira, o diretório estadual volta a se reunir para uma tomada de posição sobre o assunto. Paulo Câmara ofereceu a vice, entregou o Senado, segundo aliados, para André de Paula, mas o PT não quer. Exige o Senado e apresenta dois nomes: a deputada estadual Teresa Leitão e o deputado federal Carlos Veras.
CURTAS
AS DERRAPADAS – Lula deu “conselho” para que os sindicalistas pressionassem deputados em suas casas durante encontro da CUT. Não foi a primeira vez que disse isso, mas a época era outra. Depois, em reunião na Fundação Perseu Abramo, na terça-feira, chamou a elite brasileira de “escravista” e endereçou críticas à classe média por ostentar “um padrão de vida acima do necessário”.
DESACERTOS – O diagnóstico de uma ala do PT é o de que, com essas manifestações fora do prumo, o ex-presidente Lula atiçou ainda mais a divisão e o clima de acirramento existentes no País. A “culpa”, porém, não foi debitada na conta dele, mas, sim, atribuída aos desacertos da coordenação da campanha.
Perguntar não ofende: Qual vai ser a próxima bola fora de Lula?