Série governadores: Paulo Câmara
Capítulo 22 (Final)
Escritor, filósofo e dramaturgo franco-argelino, Albert Camus disse, certa vez, que a política e os destinos da humanidade são forjados por homens sem ideais nem grandeza, porque os que têm grandeza interior não se encaminham para a política. Paulo Câmara, tecnocrata egresso do mundo das finanças, sempre teve ideais e grandeza na vida, mas caiu de paraquedas na política por obra e arte do ex-governador Eduardo Campos, que lhe deu régua e compasso.
E o destino, também, por meio de uma fatalidade, a morte de Eduardo na queda de um avião em agosto de 2014, fez de Paulo Câmara governador nas eleições de outubro do mesmo ano, marcadas pelo tom da comoção. Se Eduardo foi o azarão no pleito de 2006, derrotando Mendonça Filho, apoiado por Jarbas Vasconcelos, o então governador mais popular do País, em 2014 Câmara teve um vendaval de votos, resultado da dor dos pernambucanos pela morte precoce de Eduardo.
Leia maisNaquela eleição, tudo levava a crer que o senador Armando Monteiro Neto, disputando pelo bloco da oposição, liderado pelo PTB, seria o governador. Afinal, até o episódio que tirou a vida de Eduardo, a queda do seu avião em Santos (SP), Armando fazia uma campanha em céu de brigadeiro, aparentemente sem adversários, liderando todas as pesquisas de intenção de voto. A vitória de Paulo Câmara sobre o então favorito foi mais uma prova de que o eleitor vota com o coração e não com a razão.
Além de estreante, Paulo Câmara era neófito no jogo cruel da política. Filiado ao PSB desde outubro de 2013, foi ungido por Eduardo para concorrer à sucessão estadual, com o deputado federal Raul Henry, do PMDB, na vice, e o ex-ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, do PSB, na disputa pelo Senado. O choro, a dor e o sofrimento do povo pela morte inesperada de Eduardo fez de Câmara o candidato a governador mais votado do País. Ele obteve 68% dos votos, frustrando o sonho de Armando Monteiro, que ficou com um pouco mais de 31% dos votos válidos.
Eleito no primeiro turno, Paulo Câmara teve mais de três milhões de votos. Além da notória comoção, expressa nas ruas e no semblante do povo nos programas eleitorais da TV, Paulo carregava o peso de dar continuidade ao governo de seu padrinho político, já em campanha para Presidência da República, mas encerrada com o acidente aéreo. Aliado à comoção que tomou o Estado na tragédia que matou Campos, o forte palanque, composto de 21 partidos, resultou na vitória de Marina Silva em Pernambuco.
Terceira colocada na disputa ao Planalto, ela obteve 48% dos votos no Estado. No segundo turno, diante do insucesso eleitoral de Marina, que era vice de Eduardo e o substituiu como candidata, o PSB anunciou apoio ao candidato Aécio Neves (PSDB). O tucano obteve uma votação um pouco maior que a de José Serra nas eleições de 2010, perdendo para Dilma, que teve 70,20% dos votos válidos no Estado, contra 29,80% do mineiro – uma diferença de quase dois milhões de votos.
Câmara e seu partido decidiram adotar uma postura independente em relação ao Governo Federal, com vetos a qualquer possibilidade de integrantes da legenda ocuparem cargos durante o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Empossado no cargo de governador em 1º de janeiro de 2015, o socialista começou a percorrer todas as regiões do Estado, reproduzindo o programa Todos por Pernambuco, embrião da gestão de Eduardo, voltado para ouvir o clamor da população em relação aos seus problemas e anunciar medidas em perfeita sintonia.
Mas já no segundo ano da sua gestão, marcada por muitas críticas ao seu desempenho, Paulo causou controvérsia ao nomear João Campos, hoje prefeito do Recife, chefe de seu gabinete, com apenas 22 anos. Era um gesto. João passaria a exercer a mesma função que o pai ocupou no segundo governo de Miguel Arraes (1987-1990). A classe artística do Estado, entretanto, organizou protestos contra a indicação, afirmando que Paulo Câmara estava reproduzindo os “padrões antigos da política Nordestina”. Mais do que isso, materializava a chamada “Dinastia dos Campos”.
Paulo Câmara sempre foi servidor público, tendo começado a carreira como escriturário concursado do Banco do Brasil, em Ribeirão, na Zona da Mata. Em 1995, foi para o Tribunal de Contas do Estado, onde exerceu o cargo de auditor das contas públicas. Depois, foi secretário de Administração do Tribunal de Justiça de Pernambuco, supervisor parlamentar da Câmara de Vereadores do Recife e a partir de 2007 fez parte da gestão do governador Eduardo Campos.
Paulo Câmara é formado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Pernambuco, pós-graduado em Contabilidade e Controladoria Governamental e mestre em Gestão Pública, todos pela mesma instituição. Antes de virar governador, foi secretário de Administração (2007–2010), secretário de Turismo (2010) e secretário da Fazenda de Pernambuco (2011–2014) durante a administração do então governador Eduardo Campos.
Aliança com o PT, sacrificando a pré-candidatura de Marília Arraes, salvou reeleição de Câmara – Embora não tenha feito um bom Governo, falhando principalmente na política de segurança pública, deixando esmorecer o Pacto pela Vida, carro-chefe da gestão anterior do seu padrinho Eduardo Campos, Paulo Câmara foi reeleito em 2018, mas num cenário já bem diferente, onde não prevaleceu mais a comoção pela morte de Eduardo, mas sim o discurso sustentado numa aliança com o PT. O senador Humberto Costa, reeleito na chapa com Jarbas Vasconcelos, queimou a candidatura própria do PT, reivindicada insistentemente pela deputada Marília Arraes. Marília aparecia na liderança das pesquisas e se traduzia no fato surpresa da eleição, mas não teve direito a legenda, graças a uma manobra de Humberto que convenceu a direção nacional petista a negar legenda para Marília. Isso pesou fortemente para a reeleição de Câmara, que, mais uma vez, teve como adversário o senador Armando Monteiro Neto. Marília ainda chegou a ter sua candidatura aprovada pelo diretório estadual, que mais na frente virou letra morta, barrada pelos caciques nacionais que já haviam se comprometido no apoio à reeleição de Paulo Câmara. Na campanha, Paulo teve que rever seu discurso e o do PSB. Seu partido foi favorável ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Nos discursos, dizia ter sido um erro o apoio do PSB ao processo que derrubou a petista. Diferente da primeira eleição, em 2014, onde impôs uma derrota acachapante a Armando, na reeleição, em 2018, apesar de vitorioso no primeiro turno, só teve 50,61% dos votos. Para atrair o PT e as forças de esquerda, como o PCdoB, Paulo Câmara teve que mudar o candidato a vice, trocando Raul Henry por Luciana Santos (PCdoB). Armando, que apostava na estratégia de levar a eleição para o segundo turno e ganhar, lamentou assim a derrota em primeiro turno: “Acho que os números revelam que o Governo não teve uma maioria expressiva. Essa eleição foi definida por 0,24%, muito pouco. Espero que isso sirva para mostrar ao governo que eles precisam corrigir rumos, precisam mudar certas posturas arrogantes que vêm marcando o domínio desse grupo. Espero que eles possam extrair uma lição disso tudo, de que Pernambuco tem oposição, de que Pernambuco tem outras correntes de opinião e de que eles precisam aprender a conviver com essa realidade”.
Outra comoção popular, desta feita a favor de Raquel, pôs fim a era do PSB em 2022 – A reeleição de Paulo Câmara levou o PSB ao quarto mandato à frente do Governo de Pernambuco. Juntas, as duas gestões do ex-governador Eduardo Campos, eleito em 2006 e reeleito em 2010, com as de Câmara, eleito em 2014 e reeleito em 2018, permitiram os socialistas governarem o Estado por longos 16 anos, era encerrada nas eleições de 2022, com a vitória de Raquel Lyra (PSDB). Por uma dessas ironias terríveis e lamentáveis da vida e da política, a tucana, como Paulo Câmara, em 2014, chegou ao poder pelo voto da comoção popular. O empresário Fernando Lucena, seu marido, morreu, vítima de infarto fulminante, logo cedo, na manhã do dia da eleição de primeiro turno, em 2 de outubro de 2022. Como se deu muito cedo, antes mesmo da abertura das urnas, o fato se propagou rapidamente pelos meios de comunicação, notadamente pelas redes sociais. Mais na frente, um levantamento do Google, apontou que mais de 400 mil pessoas haviam consultado o número de Raquel, naturalmente para votar nela. Na véspera do pleito, as pesquisas apontavam para outra direção, uma crescente do candidato do União Brasil, Miguel Coelho, para ir ao segundo turno com Marília Arraes, e uma reação do candidato do PSB, Danilo Cabral, que passou a campanha como lanterninha. Mostrou, igualmente, Anderson Ferreira, candidato do bolsonarismo, bem-posto no páreo, com chances de chegar ao segundo turno, reproduzindo em Pernambuco a polarização da disputa nacional entre Lula e Bolsonaro, decidida por menos de dois pontos percentuais.
Gestão de Câmara nas Finanças deu a Eduardo a senha para ajudar os municípios – Paulo Câmara foi escolhido candidato a governador pelo ex-governador Eduardo Campos, que fez mistério até o segundo minuto da prorrogação, quando secretário da Fazenda. Na época, a mídia dava como certa a escolha do então secretário da Casa Civil, Tadeu Alencar, mais polido e mais político. Também era especulada a alternativa Danilo Cabral. A justificativa de Eduardo era que o Estado precisava de alguém com tino administrativo, experiência em contas públicas e comprometido com a continuidade da sua gestão. Foi com Câmara na Fazenda, aliás, que Eduardo, com o dinheiro azul e branco, criou um programa de ajuda aos municípios para obras, batizado de FEM (Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento Municipal), pelo qual foi transferido a cada município o equivalente a um FPM (Fundo de Participação dos Municípios) mensal. Foi lançado em Gravatá e comemorado por todos os 184 prefeitos. Experiente em fazer a política de equilíbrio fiscal, nos seus oito anos de administração, Câmara disse que fez investimentos da ordem de R$ 110 bilhões no Estado, gerando mais de 100 mil novos postos de trabalho. Dos mais de 500 empreendimentos anunciados, destacou a expansão da linha de produtos da montadora Jeep, em Goiana, que envolveu R$ 7,5 bilhões e gerou 9 mil empregos diretos. Também entregou o primeiro parque do Brasil a conjugar energias solar e eólica e o primeiro hub aéreo de cargas com voos internacionais a partir do Nordeste, além de projetos estratégicos como o da rede do Novo Atacarejo, que investiu mais de R$ 500 milhões em 16 cidades; o centro de distribuição do e-commerce Amazon, no Cabo de Santo Agostinho; e a Masterboi, que emprega cerca de 800 trabalhadores em Canhotinho, no Agreste.
Embora mal avaliado nas pesquisas, Câmara tem realizações, como o crescimento de Suape – Ao longo da campanha de 2022, quando o PSB lançou mão do nome de Danilo Cabral para se manter no poder e prorrogar os 16 anos de mando absoluto no Estado, um fator que pesou negativamente contra Cabral foi a baixa avaliação positiva do Governo Paulo Câmara. Chegou a mais de 70% de desaprovação e apenas 13% de aprovação. Isso, evidentemente, acabou dominando o debate eleitoral da eleição passada. Mas Paulo Câmara pode ter errado também na comunicação. Um dos seus feitos, por exemplo, está em Suape. O porto atingiu, em 2020, a maior movimentação da sua história, com 25,6 milhões de toneladas de carga. Em julho do mesmo ano, recebeu o maior navio porta-contêiner da sua história, com 334 metros de comprimento. O complexo reúne cerca de 150 empresas de capital nacional e internacional. São investimentos privados que chegam a quase R$ 75 bilhões, com mais de 23 mil empregos formais e informais. “Deixamos Pernambuco num momento de avanço, onde a gente tem muito o que se orgulhar da nossa educação, da forma competente como nossa saúde é tratada, da seriedade com que nós fazemos as políticas de segurança, mas principalmente no aproveitamento de oportunidades onde o setor público e o setor privado se unem em favor do Estado”, disse Câmara, numa entrevista à Folha de Pernambuco no apagar das luzes da sua gestão de oito anos.
Vetado para ministro de Lula, deixa o PSB e é nomeado presidente do Banco do Nordeste – Responsabilizado pelo desastre do PSB nas eleições em 2022, Paulo Câmara tomou uma decisão surpreendente: em 27 de janeiro de 2023, menos de um mês após encerrar sua passagem pelo Palácio das Princesas, pediu sua desfiliação do partido, o primeiro e único ao qual esteve filiado o tempo inteiro em que esteve no poder. Numa carta entregue ao presidente nacional da legenda, Carlos Siqueira, o ex-governador lembrou que se filiou ao PSB em 2014, a convite do antecessor dele, o ex-governador Eduardo Campos (PSB), morto num acidente aéreo naquele ano, durante a campanha à Presidência da República. Ressaltou que os oito anos em que passou no governo foram desafiadores, “com as sucessivas crises enfrentadas pelo país e pelo mundo, a mais grave de todas a pandemia da Covid-19”. Paulo Câmara enfatizou que teve dedicação integral a Pernambuco nos dois mandatos de governador. “Avançamos em todas as áreas da gestão, sobretudo na educação, ao atingir a marca de melhor ensino médio do país”, assinalou. A versão mais ouvida sobre a sua saída do PSB teria sido um suposto veto ao seu nome pela bancada socialista na Câmara para ocupar um Ministério no Governo Lula. O escolhido foi o ex-governador de São Paulo Márcio França (PSB-SP). Prefeito do Recife, João Campos (PSB) foi um dos nomes em Pernambuco que articulou a bancada pela preferência de França, o que teria desagradado a Câmara. O acordo feito por João Campos com a bancada federal do partido para indicar alguém de São Paulo foi interpretado por Paulo Câmara como um movimento de exclusão ao nome dele e, estando se sentido excluído, não fazia mais sentido permanecer no PSB. Mais tarde, já militando longe da esfera do PSB, Paulo Câmara foi nomeado por Lula presidente do Banco do Nordeste.
CURTAS
PASTA DA ADMINISTRAÇÃO, O COMEÇO – Em 2007, Paulo Câmara assumiu a Secretaria de Administração do Estado. Em sua gestão, instituiu o Calendário Semestral de Pagamento dos Servidores, a recuperação das perdas salariais dos servidores, com reajustes expressivos para todas as categorias e com ganhos reais acima da inflação e a construção do Centro de Formação do Servidor. Em 2008, criou o Curso Superior Sequencial de Formação Específica em Administração Pública. Trata-se de uma graduação exclusiva para servidores estaduais, ministrada pela Faculdade de Ciências e Administração da UPE, através da Escola de Governo de Pernambuco, com o objetivo de formar gestores públicos.
O PAI DO FEM E FAMÍLIA – Em 2010, assumiu a pasta de Turismo, desenvolvendo projetos focados na especialização dos serviços oferecidos aos turistas, entre eles o programa “Taxista Amigo do Turista”, que promovia qualificação em inglês e espanhol para os profissionais. Na sua gestão, também foram realizadas obras de infraestrutura, como o acesso às praias dos Litorais Sul e Norte, e a ampliação do sistema de abastecimento de água e tratamento de esgoto sanitário da Praia dos Carneiros e da cidade de Rio Formoso, no Litoral Sul do Estado. Secretário da Fazenda em 2011, entre as ações desenvolvidas, criou o Fundo Estadual dos Municípios, o FEM, que viabilizou R$ 228 milhões a prefeituras de Pernambuco em 2013. Paulo é casado com Ana Luiza Câmara e tem duas filhas.
COLUNA NORMAL VOLTA AMANHÃ – Com o encerramento desta série, a coluna política volta amanhã, assinada pela repórter Juliana Albuquerque, que escreve aos sábados. Volto na segunda-feira.
Perguntar não ofende: Esta série deveria ser transformada num livro, conforme sugestão de alguns leitores?
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